Quando partimos, éramos um exército glorioso; agora, éramos nada mais do que um bando deplorável de corpos famintos e exaustos. Nossas almas, porém, continuavam tão fortes quanto no dia em que deixamos nossas casas, e era essa força que guiava nosso caminho através noites frias de inverno e dias escaldantes de verão.
As solas de nossos sapatos tinham ido havia muito. Idos também eram os tempos em que nos preocupávamos com seu conserto e em que tínhamos material para fazê-lo. A maior parte de nossos cavalos tinha ficado pelo caminho. Assim como alguns de nós. Eu não conseguia cantar com aqueles que ainda estavam de pé e caminhando, porque minha boca estava seca e meus lábios ainda estavam feridos de minha última briga. A corda apertando meu pescoço também era um empecilho, especialmente por ser puxada implacavelmente conforme avançávamos. Eu não reclamava, mas não cantava tampouco.
O canto era uma forma de garantir que não estávamos perdendo a razão, alguém uma vez sussurrara em meu ouvido em uma noite fresca e estrelada de primavera. Era uma forma de garantir que não nos esqueceríamos de quem éramos e porque marchávamos. E ainda assim começava a parecer mais e mais uma ideia fixa e menos e menos uma história e uma esperança de futuro.
Eles cantavam sobre um castelo nas nuvens, e era também por isso que eu não tomava parte. Porque a primeira pessoa a me falar sobre o castelo fora meu pai, e ele me contara sobre um lugar onde sempre era primavera e onde qualquer um poderia ser qualquer coisa. Era um castelo e uma cidade e uma promessa de dias melhores, então eu não poderia me permitir acreditar nisso ou sequer lembrar das histórias que me foram contadas pelas pessoas que um dia me amaram.
Eu sabia que o final da estrada não estava longe. Andávamos através a floresta profunda por dias, os penhascos não estariam longe se acreditássemos nas histórias. Contudo, os dias se tornaram semanas e um mês se passou sem qualquer sinal de que as árvores se abririam diante de nós ou de que o canto desvaneceria. Tive esperanças, pela primeira vez, de que a estrada serpentearia para longe das escarpas e para longe do castelo que tão avidamente queria ver quando criança e que agora temia profundamente.
Afinal, a estrada nos colocou na direção certa. Encontramo-nos cruzando o desfiladeiro de um lado para o outro, sem ousar olhar para cima. Alguns diziam que não estávamos prontos para alcançar nosso destino, outros respondiam que nossos mapas estavam simplesmente obsoletos ou mal copiados, e seguimos em frente.
Após os longos dias na floresta, o par de dias que levamos para atravessar o desfiladeiro pareceram uma brisa. Tão rápidos que nenhum de nós estava pronto quando finalmente o vimos.
Era a primeira vez em meses que a cantoria parava e só então percebi como, mesmo quando a noite fora silenciosa, alguém cantara através das horas, como vozes abafadas chamaram aquelas memórias e aquelas promessas sem nunca cessar.
O silêncio caiu estranho em meus ouvidos.
Pessoas caíam, alguns chorando, outros simplesmente olhando o que tínhamos buscado. Ainda levaríamos uma semana para escalar a encosta e alcançar as portas, mas agora o objetivo tinha uma forma. Tinha cores. Tinha até mesmo sons.
O castelo nas nuvens olhava para baixo e nos desprezava, enquanto erguíamos nossas cabeças para admirá-lo.
Era tudo que meu pai me contara. Os muros eram brancos como a neve, os estandartes eram coloridos como os bobos das feiras, o cheiro da grama esmagada sob nossos pés era tão fresco e doce quanto minha imaginação juvenil havia suposto.
Ainda assim, eu estava de pé. Não sentia meus joelhos falharem sob meu peso como imaginara que fariam. Não sentia um rio de lágrimas ou de risadas lavar meu corpo. Não sentia que o castelo nas nuvens guardava em si as chances de um novo começo.
Todos havíamos partido em busca de algo. Para mim, era meu destino final. Trouxeram-me para o castelo não para começar de novo, mas para terminar tudo.
Trouxeram-me para o castelo para que eu fosse julgada e executada.